sábado, 18 de maio de 2013

Sobre Lia e Epifania




Eu tenho uma amiga; que apesar de ser capricorniana é uma grande amiga. Ela é especial por inúmeros motivos que normalmente não consigo elencar. Mas ontem, assistindo a um filme indicado por ela, ao lado dela, me dei conta de um deles. Ela é responsável pela maior parte de minhas epifanias. A gente (eu e minha amiga) compartilha muita coisa, de semelhanças quase perfeitas a diferenças quase catastróficas. Entre as semelhanças quase perfeitas está nossa capacidade de atribuir sentido para tudo o que nos cerca, desde a mais ordinária das coisas até as grandes questões da humanidade. Isso não têm função prática nenhuma , você poderia pensar, mas o que importa mesmo é que foi essa a maneira que encontramos para sermos menos chatas e tristes. E isso já é de grande praticidade hoje em dia. Assim sendo, inútil sendo (ou não), agradeço a minha amiga pela epifania a seguir e por todas as outras que, graças a ela, ainda virão.
Existem texturas. Existem pessoas que têm texturas muito peculiares, que deixam marca e sabor em mim. Existem trejeitos especiais, trejeitos que de tão hipnotizantes, ficam gavados em meu corpo como se a mim pertencessem. Existem sutilezas, sutilezas de mãos, bocas e cabeças, que definem um ser. Meu Deus, como desejava ser detentora de certas sutilezas. Por uma noite consigo viver apenas à beira de mim, vislumbrar em mim detalhes que não são meus, mas que por me serem tão atraentes finjo que são. E acredito. E me aproprio. Que textura terei eu nas mentes que me registram? Que me vêem passar, que me vêem falar? Queria me deixar escorrer em cima dos outros. Queria, só por uns instantes, me derramar nos que me olham, e escorrer. Deixando cheiro, sabor e textura. Mas me contenho. Represo o suco que há em mim e bebo o líquido que escorre dos outros. Me embriago dos outros. Até trocar de textura com eles.
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sexta-feira, 17 de maio de 2013



Tudo começou com uma necessidade gigantesca de silêncio. Mesmo sem entender o porquê, o silêncio me pareceu a melhor saída pra que eu pudesse processar a gama de sensações e impressões que chegavam até mim. Preciso dizer que as impressões sempre nortearam minha vida; sempre foram, equivocadas ou não, determinantes em minhas escolhas. Mas foi aqui, a partir deste episódio, que elas ganharam um significado completamente diferente, que só se fará entender depois que eu explicar minuciosamente o que me ocorreu pra que eu decidisse me calar por 80 minutos.
  Primeiro de 5 dias de um festival de dança pelo qual esperei ansiosamente por um mês. Antes de tudo, há que se explicar as circunstâncias nas quais me encontro pois, como sempre acontece quando se trata de mim, as circunstâncias são espelho no qual apareço refletida. Eu amo dança. Na verdade, o que eu amo mesmo é o movimento e tudo o que tem a ver com ele. É a única coisa que consegue me absorver por completo por um longo período de tempo. Não me contentando com a observação, eu também escolhi o movimento para ser o meu objeto de trabalho. Se alguém me questiona como é meu trabalho eu respondo simplesmente 'eu me movimento'. Pode parecer pouco, mas pra mim é suficiente. Foi essa a maneira mais simples que encontrei para me expressar com exatidão, pois sua essência é exatamente o oposto do exato. É através do movimento que sinto e posso expressar toda a impermanência que sou eu e que é minha percepção de mundo. Por isso a necessidade de explicar as circunstâncias atuais. Porque me machuquei fisicamente e estou impossibilitada de me movimentar livremente desde o início do ano. E porque a ciência disso tem tido enorme influência em tudo o que sinto ultimamente. 
Então agora, com tudo explicado, volto ao princípio da história: estava ali, no primeiro de 5 dias de um festival de dança pelo qual esperei ansiosamente por um mês, sabendo que minha única condição ali e fora dali era a de observadora. Racionalmente isso já havia sido aceito por mim, mas na prática não é tão simples assim. Foi no início, logo nos primeiros minutos de espetáculo, com as primeiras notas musicais e com os primeiros desenhos formados pelos corpos esculturais, que uma emoção sem igual, mas já conhecida por mim, fez com que cada pelo do meu corpo se eriçasse. Então, me vi ali, sentada entre estranhos, profundamente comovida por dentro e agradecendo intimamente por estar coberta da cabeça aos pés, o que evitou que a comoção externalizada por meus pelos fosse percebida por quem quer que fosse. De repente, não sentia vontade de mostrar nada, de repente aquele momento tornou-se algo só meu. O silêncio me pareceu a forma mais adequada de honestidade. E naquele instante minha alma clamava por honestidade, toda a fome que existia em mim era de honestidade. E assim o fiz. Me calei, de voz e de cara. 
Os próximos 80 minutos não teriam sido o que foram se tivesse optado por outro caminho. Me sentia só, profundamente só, mas tão acompanhada por mim mesma que a solidão era paz, era abastecimento e plenitude. Foram 80 minutos de plenitude. Que só cessaram com o som dos aplausos ao final. Como me incomodaram os aplausos. Não pelo fato de eu ser avessa a manifestações efusivas de aprovação, apesar de esse ser um motivo constante de irritação pra mim. Não, dessa vez a coisa era diferente e ia além de uma simples birra por parte de minha pessoa retraída. Esses aplausos eram apenas barulho. Barulhentos, vazios, automáticos, maquinais. Furtando sem a menor cerimônia toda a profundidade da qual prescindia o momento. Senti-me de novo sozinha. Mas dessa vez, oca. Adicionado a isso, senti vergonha; vergonha de mim mesma ao dar-me conta de quantas vezes fiz parte dos que aplaudem, mesmo sem gostar de aplaudir. Dos que gritam por preguiça de sentir. Vergonha por todos os momentos em que vivi fora de mim. E como vivi pra fora, meu Deus. Houveram tempos em que só o pra fora me servia de referência. E é quando a gente vive assim, pra fora, que nossa alma grita lá de dentro, soltando ruídos de emoção, comoção pura, e a gente abafa. Abafa aplaudindo. É uma necessidade de expressão constante. Expressão pra fora. Redundância mesmo. Porque não é porque é 'ex' que tem, necessariamente, que ser pra fora. Pode-se expressar pra dentro sem que seja obrigatório diminuir a expressão a uma simples impressão. Foi ali naquele momento de sons vazios que me dei conta de que o mundo tá cheio de impressão e carente de expressão. Expressão pra dentro. A expressão tá perdida por aí, no meio de tudo que é rápido, raso e cambiável. Perdida nos abismos que criamos entre nós e nós mesmos. E aí a gente despenca pro lado mais fácil. A histeria coletiva. Sem eco, só lampejo. 
Por isso meu silêncio. 
Os meus 80 minutos de silêncio. 80 minutos pra que eu pudesse me agarrar a mim. 80 minutos pra que eu me lembrasse da luz que é ter-se por perto.