Uma ternura merecida. Compartilhada . Desejada.
Não se sabe quanto tem de se andar até que o corpo relaxe.
Amorteça.
Sabe-se apenas sobre a duração dos desejos.
A faísca chega sempre.
Leve. Breve.
O fogo é tardio.
Intenso.
Não há prazo pra eternidade.
Não há acordo num mundo de assincronias.
Se espera. Se vive. Se surpreende.
Apenas se bebe. Se arrisca.
Tangencia.
Difícil esbarrar. Tudo aqui é apenas tangencial.
Semi-pronto, nunca pronto.
Perene geração.
Há que se amar as pungências.
Há que se deliciar de (sub)prazeres.
Até que já. Até que é. Até que sou.
segunda-feira, 17 de junho de 2013
sábado, 15 de junho de 2013
Linhas cruzadas
Ele
sempre se perguntava de onde vêm as opiniões que as pessoas formam
umas sobre as outras. Porque desde que se lembra, todos aqueles que
de alguma maneira esbarravam com ele na vida o tinham como um homem
de natureza firme. Todos o tinham como alguém de caráter claro,
limites precisos e atitudes concretas. Mas ele olhava pra sua
trajetória e só o que via era o inverso. Tudo o que havia
construído, analisado ou tocado na vida era repleto de
incongruências. Nada era assertivo. Tudo muito inconsistente. E no
entanto, para todos, sempre fora fonte de certezas notórias e
verdades incontestáveis. Passara 30 anos de sua vida vestido dessa
maneira, porque assim o fizeram e porque não conseguia, ele próprio,
arranjar outra forma de se vestir. Não via grande problema em ser o
que lhe diziam sobre ele próprio. Era bom ser de natureza firme.
Conhecia indivíduos de natureza fluida e não gostava nada dos rumos
que a vida destes tomava. Então viveu 30 anos sendo Ele, o homem de
natureza firme. E quando batia a dúvida, pois dela ninguém escapa,
fazia o simples exercício de conversar com alguém que o estimasse o
suficiente para lhe assegurar o título de homem de natureza firme.
Como pode ser reconfortante o julgamento das pessoas que nos amam. Foi então
que conheceu Ela. E 15 anos depois lembrou-se da opinião que formara
acerca dela na primeira vez que a viu. Estava lá, sentada na esquina
de uma rua conhecida com uma rua pouco movimentada, num vestido
amarelo bem comportado, e botas de couro que davam às suas pernas um
ar muito gracioso. A única coisa que destoava de todo o conjunto
eram as mãos. Quando falava, balançava ritmicamente as mãos, num
movimento contínuo, mas inusitado e decidido. Cada palavra vinha
acompanhada de movimentos firmes das mãos, o que contrastava, de uma
forma muito peculiar, com o resto harmônico e cadencioso da imagem
dela. Os próximos 15 anos após o episódio de seu encontro com Ela
foram os mais reveladores de sua vida. Ela, a mulher de
natureza frágil, dizia que não se lembrava de ter tido muitas
opiniões acerca da vida. Nunca fora alguém que achasse muita coisa
do que quer que fosse. E, no entanto, quando falava, o movimento
decidido das mãos estava sempre lá, marcando cada palavra proferida
por ela. Com o tempo ele entendeu que Ela não achava muita coisa nem
mesmo sobre si própria e que talvez fosse essa a razão para
tamanho contraste entre suas mãos e sua vida. Foi entendendo a
inconsistência da natureza dela, que Ele, o homem de natureza firme,
deu-se conta da própria. A cada dia que passava ao lado dela, suas
próprias linhas iam deformando-se, curvando-se, formando desenhos
desconhecidos e instigantes. Iam se cruzando com as linhas tortuosas
e encantadoras dela e criando estruturas libertadoras. Foram 15 anos
assim, até que Ela se foi. Se foi como chegou. Fluida e viva. E Ele,
ele se perdeu. Ele, o homem de natureza firme, não sabia para onde
ir. Não tinha capacidade para ser o que se tornou. Era Ela, a mulher
de natureza frágil, que de tanto não pensar nada, lhe emprestava
tal coragem. Mas, Ele, que sempre fora apenas um por não conseguir
ser diferente, não conseguia abandonar-se assim, todos os dias. Era
Ela que, sem saber, lhe transmitia a leveza de se ser o que se torna.
E então, Ele, o homem de natureza firme, fez jus a seu título uma
última vez e tomou a última decisão de sua vida. A decisão
de deixar-se ir. Como Ela, foi-se embora também. Os que o conheciam
o admiraram última vez por ter deixado o mundo de maneira firme,
como ele próprio sempre fora. O que ninguém jamais saberia é que
Ele, o homem de natureza firme, se foi com um único desejo latente
no coração: o de ter conseguido ser o que Ela, a mulher de natureza
frágil, o tornou.
quarta-feira, 12 de junho de 2013
Nada especial
Sabe
um grito muito alto? Do tipo que estremece estruturas e trinca taças.
Assim era o grito. A alma dela; a alma dela queria liberdade, ela não
aceitava equívocos ou eufemismos. E quanto mais a menina tentava
amenizar, sufocar a situação, com mais empenho trabalhavam seus
pulmões:
“Não me importa alcançar, chegar lá, transgredir,
ultrapassar. Eu quero mesmo é sentir. Nada mais que o vulgar e
pulsante sentimento. De nada me serve alcançar, chegar lá,
transgredir, ultrapassar. Eu quero mais é doer, esgarçar, regredir,
maltratar.”
Ensurdecer a própria alma, amortecer seus próprios sentidos. Era essa a batalha da menina que de vez em quando só queria mesmo era rir abobalhadamente de sutilezas . Mas ela precisava ouvir. Fechar os olhos, encarar o silêncio e escutar com atenção. Sem ter medo das consequências por ter sido condescendente consigo mesma. Era um jogo de fé, de se despedir da lógica e se atirar na penumbra. Ou era assim, ou se tornava de súbito vazia de si. E essa era a pior sensação. O desespero por querer e não poder compreender. Aí ela preferia mesmo era acreditar no nada. Ressignificar o nada. Encontrar sentido, criar sentido, desencavar sentido de onde não podia jorrar mais nada além do próprio nada.
“De nada me serve alcançar, chegar lá, transgredir, ultrapassar. Eu quero mais é doer, esgarçar, regredir, maltratar.”
E preferia fazer assim, repetidamente, dia após dia. Encontrando prazer na criação do seu próprio nada.
Assinar:
Postagens (Atom)